"A janela onde morria"
As palavras que nunca te direi
"Não compreendia o que hoje compreendo. Não me queres. É tão simples. Tão patético e simples como isto. Não me queres. Alimentei-me das tuas mentiras para me convencer de que me devias algo. (...) Por isso me deixei ficar. Fui fraca. Fui desprezível. Deveria ter-te confrontado com o que ambos sabíamos. Não me perguntes porquê. Decidi não te obrigar a mentires. Porque queria a verdade mas sabia que a verdade haveria de me matar. (...)
É difícil explicar a quem nunca viveu, mas julgamos que manter gestos e palavras e rituais e hábitos, julgamos na nossa ingenuidade que a mecânica há-de ocultar a alma. E somos só olhos, podemos falsear tudo menos os olhos. Tu a saberes que não me enganavas, eu sem me deixar enganar por um momento. E no entanto continuávamos. (...)
Um dia soube que estavas apaixonado. Os olhos, ainda e sempre. Um encantamento em ti. Alguém que não sabia quem era. Embora soubesse o essencial. Não era eu.
Primeiro foram dias, depois semanas (...) que te esperei. (...) Disseram-me que a vida continua. Mas sabes? Não continua. Acho que hoje já percebeste isso. Não continua. Fica parada, a vida fica parada, dentro de uma caixa, e a caixa está dentro de uma pedra, e a pedra no interior de uma gruta escura, e a gruta no fundo do mar. Esperei-te. (...)
Quando me diziam que tinha de seguir em frente. Mas como podia seguir, como me podia mexer, dentro de uma caixadentro de uma pedra dentro de uma gruta, perdida, paralisada, amarrada no fundo do mar? (...)
Mas agora que acordei. Já não me adianta esperar-te. Nenhuma ligação, nenhum vínculo entre nós. (...) Podemos perder-nos na multidão. Já não há nada que nos ligue. Que me permita aguardar-te. (...)
Alguma coisa em ti se apagou. Dizes luz e já nada se acende. (...) Nada que nos ligue. (...) Dois estranhos sem nada que os prenda. Agora sim, desaparecemos."
(in Mulher em Branco - Rodrigo Guedes de Carvalho)
Isabel Reis Santos
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